quarta-feira, 9 de maio de 2012

Chico Lindo, Negão do Pau e outras figuras pitorescas da cidade

Fico lembrando cada vez mais da minha infância. Talvez isso esteja acontecendo devido ao fato da idade estar avançando. Não que eu seja velho, mas posso dizer que lembro de coisas da cidade desconhecidas dos mais novos, como poder brincar de bola, esconde-esconde, pega-pega ou mãe da rua em plena Rua Dr. Cardoso de Almeida, onde eu morava, próximo da Igreja Nossa Senhora de Lourdes, sendo eu e meus amigos raramente incomodados pelos carros. E é desse lugar que tenho importantes e algumas outras curiosas lembranças, inclusive de figuras pitorescas que por ali circulavam.
Uma dessas pessoas que chamavam a atenção de todos e principalmente da criançada era o Chico Lindo, mulato de uns 30 anos e sempre muito alinhado. Cabelos pretos e um pouco mais compridos atrás, sempre com muito gel, pele bronzeada, diria até mesmo que chegava a ser de cor marrom, olhos grandes e marcantes, estatura mediana e uma barriga a entregar que estava acima do peso, ele tinha atraso mental, era bastante educado, até mesmo doce no jeito de tratar a todos e adorava conversar.
Sempre bem vestido, com calça, camisa e sapatos sociais, Chico Lindo tinha uma paixão maior do que bater papo: uma grande coleção de relógios! Ele ficava conversando com a molecada e sua felicidade era ainda maior quando alguém lhe perguntava as horas, pois assim podia exibir orgulhoso o relógio que trazia no pulso e ainda abrir uma pasta da qual não desgrudava e onde havia muitos outros relógios para conferir  os números para os quais os ponteiros apontavam.
E quase todos os dias Chico Lindo passava pela Cardoso, conversava com a criançada que brincava na rua, falava as horas e ia embora feliz. Do ponto de vista psicológico, era uma criança que se realizava com pouco.
Sempre que ia sair de casa, mesmo que para rapidamente atravessar a rua e entrar na casa do amigo que morava em frente, olhava atentamente para ver se o Negão do Pau estava por ali. E se estivesse, o negócio era correr para dentro e esperar.
Negão do Pau era como todos chamavam um homem negro, careca, alto, forte, que andava com um saco em uma mão e um pedaço de pau na outra, mas aparentemente inofensivo.
Todos diziam que ele descia o porrete em quem cruzasse seu caminho, mesmo sem motivo algum. Pelo sim pelo não, eu achava melhor evitar qualquer proximidade.
Um incidente provocado por ele marcou minha infância. A então namorada de um grande amigo de meu irmão, que chegou a me dar aulas de português no colégio, estava andando por perto de onde eu morava, quando ao virar uma esquina deu de cara com o Negão do Pau. E não deu outra. Tomou uma paulada na cabeça que abriu-lhe um corte e lá foi ela, levada ao hospital para ganhar um baita remendo.
Certo dia, minha mãe desabafou sobre esse caso com a dona Nenê, a mulher que lavava as roupas lá em casa, falando também de sua preocupação com os filhos e ouviu como resposta algo que deixou a todos surpresos:
- Dona, o Negão do Pau se chama Inocente e é meu irmão. Não sabemos mais o que fazer... – disse daquela pessoa tão calma e serena que era a dona Nenê.
Não sei o que foi mais curioso e ao mesmo tempo surpreendente, se ele ser irmão dessa tão boa senhora, ou ter o nome de Inocente!
O Ahuya (escolhi essa grafia para dar um charme) foi uma das figuras mais cheia de mistérios. Uns diziam que ele morava na rua, outros que residia em um hotel e ainda havia relatos de ter família e casa na cidade.
Loiro, de olhos claros, pele muito branca, barbado, Ahuya andava principalmente pela Rua Amando de Barros dando gritos como “ahuyaaaaa”, “ahyyyyyyy” e coisas do gênero. Também ficava horas olhando para o céu e apontando algo que só ele via. Mas era engraçado quando transeuntes achavam realmente que algo estava sendo avistado e ficavam ao seu lado, procurando algo que nunca encontravam.
Também era comum o Ahuya parar no meio da rua, desabotoar a calça jeans sempre suja, abrir o zíper e urinar olhando os motoristas passando.
Eis que um belo dia esse personagem desapareceu. E então surgiram diversas versões a respeito de seu sumiço, sendo a mais comentada, a de que teria ateado fogo ao corpo e assim falecido, que pertencia a uma família muito rica e seu féretro foi levado a São Paulo em um jatinho enviado pelo pai.
Quantas lembranças! E ainda há outras. Mas vou ficando por aqui.
E no próximo texto vou falar de outras figuras pitorescas... Até lá, quem quiser, que conte outra.
·        Stéfano Garzezi Cassetari