segunda-feira, 11 de junho de 2012

Menudo, menino da bicicleta amarela, jardineiro que virou soldado e o amante da Joana


         Era sair de casa, dar uns passos pelas ruas e lá estava ele, o cara que corria feito doido... Bom, na verdade acho melhor explicar algumas coisas antes.
Gostei de ter recordado as histórias do último texto, que remetem à minha infância, a fatos e pessoas interessantes de Botucatu. Lembrando de mais algumas figuras pitorescas da cidade, esses dias me vieram à memória aqueles que marcaram a minha adolescência.
Bom, o cara que corria feito doido era doido mesmo. Eu sei, não é o termo correto. Mas deixem-me explicar: claro, ele tinha problemas mentais, algum atraso provavelmente, mas era doido de correr tanto daquele jeito!!! É um jeito até carinhoso de me referir a ele e era como todos falavam na época, mas dava até certa inveja de tanto pique. O Menudo, como todos da minha época se referiam a ele, era um sujeito cerca de 10 anos mais velho, porém com jeito de menino.  Educado, até mesmo doce no trato com as pessoas, estava sempre sujo, com roupas surradas, cabelos encaracolados e desgrenhados, com os olhos claros parecendo tristes e distantes.
O Menudo - e não faço ideia do motivo pelo qual ganhou esse apelido -, conversava pouco e depois de responder poucas perguntas da turma, sempre fugia das conversas com a mesma explicação:
- Preciso correr, dizia ele, já dando passadas largas até sumir longe dos nossos olhares atentos e indagativos.
As pessoas queriam saber o motivo de o Menudo correr tanto, se ele tinha família, onde ele morava, qual a sua idade, dentre outras coisas. Mas ele não respondia nada disso. Só dava opiniões, e mesmo assim poucas, quando o assunto era se ia chover o fazer sol e amenidades do gênero, coisas colocadas em pauta para ver se ele se soltava. Mas não adiantava. O sujeito sorria, dava um sinal de joia e já saia correndo.
Havia um boato de que o Menudo teria ficado daquele jeito por ter tomado chá de cogumelo. Mas eu sempre achei mesmo que fosse algum problema de atraso mental. A verdade ninguém da minha turma soube até hoje. E ele sumiu. Desde então, nunca mais foi visto na cidade. Mais um mistério sobre o corredor sorridente e calado...
O menino da bicicleta amarela era quase a mesma coisa se comparado ao Menudo. Quase. Ele olhava pra gente, sempre sentado em sua bicicleta amarela, ficava sorrindo de um jeito estranho, parecendo até sarcástico. Para ele, nem apelido deram. Também pudera. Às vezes, não contente em apenas olhar, jogava pedras. Era um pouco mais velho. Na minha turma a média de idade era 15 anos e ele devia ter uns 20. Mas era todo judiado. Parecia uma mistura do Beavis com o Butt-head do desenho. Também diziam que ele teria ficado daquele jeito por ter tomado chá de cogumelo. De novo o chá de cogumelo. Mas no caso dele, não sei não...
Ao contrário do título, o jardineiro não tornou-se soldado. Não me lembro o nome dele, mas o sujeito cuidava do jardim da casa dos meus pais. O cara era realmente trabalhador, afinal de contas, fazia trabalho pesado mesmo mancando. Um belo dia, desapareceu...
Não sei com o que foi mais complicado de lidar, se com o fato do jardineiro ter voltado depois de vários meses, querendo o trabalho de volta, e para isso ir logo dizendo com toda seriedade do mundo que esteve lutando na Guerra do Golfo, ou a partir daí, barbudo e cabeludo, se vestir com a camisa do Flamengo, uma bandana, meiões e shorts de futebol, para ficar cantando na Praça da Catedral, principalmente nos dias de feira. É outro que, depois disso, sumiu do mapa.
Bom, teve uma outra coisa difícil de lidar também. Injuriado com essas histórias, meu pai resolveu assumir os cuidados com o jardim e na intenção de podar, passou a assassinar plantas. Terrível!
O cara que eu chamo de amante da Joana, na verdade não era nenhuma figura conhecida, só vi uma vez, eu assumo, mas me proporcionou um momento marcante. Eu havia passado a tarde na AAB, onde fiz uma aula de natação e outra de tênis.  Minha irmã mais nova era da mesma turma de natação. Voltando para casa a pé, nos deparamos na Avenida Dom Lúcio, um pouco antes da lanchonete A Libanesa, com um sujeito que caiu aos pés dela e aos berros começou a implorar:
- Joana!!! Por favor Joana, não me deixe!!! Volte para mim, Joana!
Detalhe: o nome da minha irmã é Déborah e ela nem namorava ainda.
O sujeito era bem mais velho, estava bêbado e minha irmã assustada pedia ajuda. Fiquei na frente do cara, falei de forma dura e ele se mandou.
Mas passado o susto, resolvi ficar rindo da minha irmã por conta do ocorrido e chamando-a de Joana. Ela me ameaçou de vingança uma única vez. E como eu não parei, ela resolveu contra-atacar.
A vingança foi impiedosa. Alguns metros à nossa frente, uma turma de veteranos da Unesp dava trotes nos calouros. Minha irmã não teve dúvida e gritou para aquela galera enorme:
- Meu irmão passou na Unesp também! Foi o 14º colocado em medicina...
E lá fui eu me danar. Me tiraram a camiseta, rasparam meus cabelos ali mesmo, pintaram meu rosto, meus braços, minhas costas e minhas pernas. Depois de um bom tempo consegui me safar.  No caminho até em casa, parentes e amigos me viram daquele jeito e me deram os parabéns. Nem se deram conta de que eu não tinha idade para prestar vestibular. Em casa foi difícil explicar tudo aquilo e tirar a tinta da pele. E foi o dia em que fui calouro da Unesp por um tempinho. Paguei mico.
E ao menos foi assim que vi isso tudo acontecer...

* Stéfano Garzezi Cassetari.'.