Era sair de casa, dar uns passos
pelas ruas e lá estava ele, o cara que corria feito doido... Bom, na verdade
acho melhor explicar algumas coisas antes.
Gostei de ter recordado as
histórias do último texto, que remetem à minha infância, a fatos e pessoas
interessantes de Botucatu. Lembrando de mais algumas figuras pitorescas da
cidade, esses dias me vieram à memória aqueles que marcaram a minha
adolescência.
Bom, o cara que corria feito doido
era doido mesmo. Eu sei, não é o termo correto. Mas deixem-me explicar: claro,
ele tinha problemas mentais, algum atraso provavelmente, mas era doido de
correr tanto daquele jeito!!! É um jeito até carinhoso de me referir a ele e era
como todos falavam na época, mas dava até certa inveja de tanto pique. O
Menudo, como todos da minha época se referiam a ele, era um sujeito cerca de 10
anos mais velho, porém com jeito de menino. Educado, até mesmo doce no trato com as
pessoas, estava sempre sujo, com roupas surradas, cabelos encaracolados e desgrenhados,
com os olhos claros parecendo tristes e distantes.
O Menudo - e não faço ideia do
motivo pelo qual ganhou esse apelido -, conversava pouco e depois de responder poucas
perguntas da turma, sempre fugia das conversas com a mesma explicação:
- Preciso correr, dizia ele, já
dando passadas largas até sumir longe dos nossos olhares atentos e indagativos.
As pessoas queriam saber o motivo
de o Menudo correr tanto, se ele tinha família, onde ele morava, qual a sua
idade, dentre outras coisas. Mas ele não respondia nada disso. Só dava opiniões,
e mesmo assim poucas, quando o assunto era se ia chover o fazer sol e
amenidades do gênero, coisas colocadas em pauta para ver se ele se soltava. Mas
não adiantava. O sujeito sorria, dava um sinal de joia e já saia correndo.
Havia um boato de que o Menudo teria
ficado daquele jeito por ter tomado chá de cogumelo. Mas eu sempre achei mesmo
que fosse algum problema de atraso mental. A verdade ninguém da minha turma
soube até hoje. E ele sumiu. Desde então, nunca mais foi visto na cidade. Mais
um mistério sobre o corredor sorridente e calado...
O menino da bicicleta amarela era
quase a mesma coisa se comparado ao Menudo. Quase. Ele olhava pra gente, sempre
sentado em sua bicicleta amarela, ficava sorrindo de um jeito estranho,
parecendo até sarcástico. Para ele, nem apelido deram. Também pudera. Às vezes,
não contente em apenas olhar, jogava pedras. Era um pouco mais velho. Na minha
turma a média de idade era 15 anos e ele devia ter uns 20. Mas era todo
judiado. Parecia uma mistura do Beavis com o Butt-head do desenho. Também
diziam que ele teria ficado daquele jeito por ter tomado chá de cogumelo. De
novo o chá de cogumelo. Mas no caso dele, não sei não...
Ao contrário do título, o
jardineiro não tornou-se soldado. Não me lembro o nome dele, mas o sujeito
cuidava do jardim da casa dos meus pais. O cara era realmente trabalhador,
afinal de contas, fazia trabalho pesado mesmo mancando. Um belo dia,
desapareceu...
Não sei com o que foi mais
complicado de lidar, se com o fato do jardineiro ter voltado depois de vários
meses, querendo o trabalho de volta, e para isso ir logo dizendo com toda
seriedade do mundo que esteve lutando na Guerra do Golfo, ou a partir daí,
barbudo e cabeludo, se vestir com a camisa do Flamengo, uma bandana, meiões e
shorts de futebol, para ficar cantando na Praça da Catedral, principalmente nos
dias de feira. É outro que, depois disso, sumiu do mapa.
Bom, teve uma outra coisa difícil
de lidar também. Injuriado com essas histórias, meu pai resolveu assumir os
cuidados com o jardim e na intenção de podar, passou a assassinar plantas.
Terrível!
O cara que eu chamo de amante da
Joana, na verdade não era nenhuma figura conhecida, só vi uma vez, eu assumo, mas
me proporcionou um momento marcante. Eu havia passado a tarde na AAB, onde fiz
uma aula de natação e outra de tênis. Minha
irmã mais nova era da mesma turma de natação. Voltando para casa a pé, nos
deparamos na Avenida Dom Lúcio, um pouco antes da lanchonete A Libanesa, com um
sujeito que caiu aos pés dela e aos berros começou a implorar:
- Joana!!! Por favor Joana, não me
deixe!!! Volte para mim, Joana!
Detalhe: o nome da minha irmã é
Déborah e ela nem namorava ainda.
O sujeito era bem mais velho,
estava bêbado e minha irmã assustada pedia ajuda. Fiquei na frente do cara,
falei de forma dura e ele se mandou.
Mas passado o susto, resolvi ficar
rindo da minha irmã por conta do ocorrido e chamando-a de Joana. Ela me ameaçou
de vingança uma única vez. E como eu não parei, ela resolveu contra-atacar.
A vingança foi impiedosa. Alguns
metros à nossa frente, uma turma de veteranos da Unesp dava trotes nos
calouros. Minha irmã não teve dúvida e gritou para aquela galera enorme:
- Meu irmão passou na Unesp
também! Foi o 14º colocado em medicina...
E lá fui eu me danar. Me tiraram a
camiseta, rasparam meus cabelos ali mesmo, pintaram meu rosto, meus braços,
minhas costas e minhas pernas. Depois de um bom tempo consegui me safar. No caminho até em casa, parentes e amigos me
viram daquele jeito e me deram os parabéns. Nem se deram conta de que eu não tinha
idade para prestar vestibular. Em casa foi difícil explicar tudo aquilo e tirar
a tinta da pele. E foi o dia em que fui calouro da Unesp por um tempinho. Paguei
mico.
E ao menos foi assim que vi isso tudo acontecer...
* Stéfano Garzezi Cassetari.'.